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Tuesday, January 15, 2008

Ode ao gato

Os animais foram imperfeitos,
compridos de rabo, tristes de cabeça.
Pouco a pouco se foram compondo,
fazendo-se paisagem, adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato, só o gato apareceu completo e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato quer ser só gato
e todo gato é gato do bigode ao rabo,
do pressentimento à ratazana viva,
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade como ele,
não tem a lua nem a flor tal contextura:
é uma coisa só como o sol ou o topázio,
e a elástica linha em seu contorno firme e subtil
é como a linha da proa de uma nave.
Os seus olhos amarelos deixaram uma só ranhura
para jogar as moedas da noite
Oh pequeno imperador sem orbe,
conquistador sem pátria
mínimo tigre de salão,
nupcial sultão do céu das telhas eróticas,
o vento do amor na imtempérie
reclamas quando passas e pousas quatro pés delicados no solo, cheirando, desconfiando de todo o terrestre,
porque tudo é imundo para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente da casa,
arrogante vestígio da noite,
preguiçoso, ginástico e alheio, profundíssimo gato,
polícia secreta dos quartos,
ínsignia de um desaparecido veludo,
certamente não há enigma na tua maneira,
talvez não sejas mistério,
todo o mundo sabe de ti
e pertence ao habitante menos misterioso,
talvez todos acreditem,
todos se acreditem donos,
proprietários, tios de gatos,
companheiros, colegas,
díscipulos ou amigos do seu gato.
Eu não. Eu não subscrevo.
Eu não conheço o gato.
Tudo sei, a vida e seu arquipélago,
o mar e a cidade incalcullável,
a botânica, o gineceu com os seus extrávios,
o pôr e o mesnos da matemática,
os funis vulcânicos do mundo,
a casaca irreal do crocodilo,
a bondade ignorada do bombeiro, o
atavismo azul do sacerdote,
mas não posso decifrar um gato.
Minha razão resvalou na sua indiferença,
os seus olhos tem números de ouro.
Pablo Neruda in Navegaciones y Regresos

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